Contos de Terror

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O evento Fright A.T.E.N.A. é um "Universo Alternativo" de contos de terror, em que os agentes protagonizam a história de corajosos sobreviventes ou assustadores monstros.Você pode explorar as histórias deste evento pelo minijogo da página inicial, realizando a rota de história de cada agente.Cada história do minijogo possuí três finais, cada final possuí uma recompensa.Atenção:
1. A página não salva o progresso, mas você pode continuar ao salvar o URL da etapa em que parou;
2. Você pode fazer todas as trilhas de história;
3. As histórias possuem gore;
4. Gatilhos: leia o alerta de gatilho de cada história.


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A criadora.
Uma curiosa cientista que foi longe demais em nome da ciência. Seu sonho era criar um ser humano imune a todas as doenças e males que afligem a humanidade, mas em vez disso criou um monstro imbatível.

A criatura.
Um dia, foi um humano comum que inocentemente se voluntariou para testes de novos medicamentos. Ele só não esperava que os efeitos colaterais o transformariam para sempre. Agora, caça o monstro que o transformou em monstro.

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A perfeição.
O ideal de pureza e perfeição, uma flor bela com o mais doce aroma. Mas seu coração está vazio, em busca de algo para o preencher. No anseio de ter um amor perfeito, acabou deixando uma trilha de corações partidos.

A obcecada.
Uma ex-militar entregue a uma vida pecaminosa e repleta de vícios, sendo o principal deleite ceifar vidas. Mas a verdade é que ela apenas queria preencher o vazio de seu coração, encontrando algo perfeito, que merecesse ser cuidado e amado.

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O aluno.
Rick é um jovem estudante que precisou realizar uma transferência de colégio, e apesar de ter sido bem-recebido e feito inúmeras amizades, algo naquela escola o incomodava.
Ele se sentia observado, julgado e, em alguns momentos, até em perigo. Ele precisava descobrir o que estava acontecendo, mas como?

A assombração.
Ritsuko era uma garota excluída, que durante toda a vida estudantil sofreu bullying, exceto no último ano do colégio. Ela havia feito amigos, sentia-se amada, conectada e finalmente parte do grupo.
Mas, então, por que isso aconteceu? Quem é o culpado? Quem pagará o preço?

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A Astronauta.
Juno é uma audaciosa astronauta que faz parte da principal força rebelde aruaniana, e é braço direito da capitã das forças rebeldes. O sucesso recente enfureceu o Império Aruniano e colocou um alvo sobre a cabeça de Juno.

A Imperatriz.
Magnólia é uma cruel imperatriz que governa o sangrento Império Aruniano. Infelizmente, Juno conseguiu chamar a atenção de Magnólia e ganhou o "privilégio" de ser caçada pessoalmente por ela.

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A Astronauta.
Em uma galáxia muito, muito distante, Juno foi enviada para uma missão numa antiga estação espacial.
O sucesso desta missão deixaria a rebelião um passo à frente do império pela primeira vez, podendo mudar o curso da guerra.
Quiçá derrubar o império.
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A pequena nave pousou sem grandes dificuldades dentro da antiga baía de pouso da estação, e nossa equipe, composta por três seguranças e três cientistas, logo se dividiu para cumprir as respectivas funções. Eu, Juno, era a responsável por localizar onde estavam os recursos e as informações do Império.
Enquanto descia as escadas para a baía de carga a fim de buscar os equipamentos, as luzes da nave apagaram repentinamente. Embora fosse um modelo antigo, ela era constantemente revisada, e era improvável que sofresse um curto circuito ou um problema nos geradores de forma tão súbita. Isso despertou minha curiosidade e um certo receio.
Respirei fundo e subi novamente alguns degraus, apenas o suficiente para tentar espiar o corredor à frente. A luz fraca da minha lanterna de bolso mal iluminava metros adiante. Liguei o comunicador do capacete, minha voz soando baixa e insegura.
QRA 606, QRL 009? QRL 002? QRK? Questionei, num tom carregado de incerteza.
Repeti a pergunta mais duas vezes, esperando uma resposta que não chegava. Quando estava quase reunindo coragem para subir totalmente as escadas, ouvi a voz familiar e mandona da Segurança 002.
QRA 002. 606, não volte para a pon… A comunicação foi abruptamente interrompida por um estrondo alto, que ecoou através da nave, mesmo eu estando quase no terceiro andar.
A sensação de apreensão se intensificou. Algo estava errado.

A Astronauta. | Parte 2As ordens de 002 haviam sido claras, e mesmo que o sinal não chegasse perfeito até mim, algo definitivamente estava acontecendo na ponte de comando. Certamente, um confronto não era o lugar mais útil para uma engenheira como eu estar. Talvez, se conseguisse reativar a energia da nave, eu poderia enviar uma mensagem para a rebelião e pedir ajuda.
Desci as escadas apressadamente e comecei a procurar pelos equipamentos. Encontrei minhas coisas presas a um caixote no canto da parede, peguei o localizador e a caixa de ferramentas, torcendo para que fosse tudo de que precisaria. Caminhei até a porta da nave, que dava para a baía de pouso, e a abri com a ativação de emergência, ignorando o estrondoso barulho que ela fazia nesse modo e a sirene que começou a tocar.
Apesar do alarde, sabia que não tinha outra escolha senão consertar rapidamente a falha na nave e torcer para que todo esse barulho não chamasse a atenção de nada hostil rondando a nave.
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Liguei o magnetismo das botas e das luvas para começar a escalar a nave pelo lado de fora. Enquanto subia, procurava pelo painel de energia.
Não, não, não! Isso é um mau sinal... pensei ao ver o casco da nave marcado com arranhões profundos e ao encontrar o painel estourado, com os fios arrancados. Reconheci as marcas deixadas, e meus olhos se retraíram de terror. Aquele monstro? Aqui? Não, não pode ser, ela NUNCA viria aqui.
O medo me mantinha agachada ao lado do painel de energia, na parte externa superior da nave. O plano de solicitar ajuda parecia cada vez mais impossível, e pior ainda, eu reconhecia o que estava me caçando... Era algo muito pior do que um monstro qualquer.
Algo estava se aproximando. Ouvi o som do casco lateral da nave sendo violentamente rompido, garras arrancando o metal com extrema facilidade e um estalo alto como um chicote batendo contra o metal.
Vamos, ratinha…
CANSEI-DE-BRINCAR-DE-ESCONDE-ESCONDE-PELA-G-A-L-Á-X-I-A-COM-VOCÊ... SEU-TEMPO-A-C-A-B-O-U…
A imperatriz dizia, inicialmente, em um tom amigável e quase charmoso, mas rapidamente sua voz explodiu em raiva, ressentimento e ódio. A situação estava começando a ficar complicada.

A Astronauta. | Parte 2A tripulação precisa de mim. Pode ser um defeito crítico na ponte, ou algo que deu errado durante as análises, ou alguma briga, ou alguma criatura? Poderia ser alguma criatura?
Teoricamente, o hangar está abandonado há muitos anos, e fica próximo do Império. Nesse caso, é mais provável que sejam mercenários ou piratas.
Minha mente estava começando a acelerar, os pensamentos se atropelavam e se mesclavam com sentimentos de temor, medo, dúvida e até curiosidade. Reuni toda a coragem que tinha, equipei minha lanterna no capacete e subi as escadas para o segundo andar. Comecei a caminhar de volta para a ponte, passando pelo corredor principal.
A luz fraca iluminava o suficiente para ver o chão antes dos próximos passos, mas era incapaz de iluminar as paredes do corredor. Com sorte, me permitiria ver o que estava mais adiante. O som do chiado dos comunicadores me deixava agoniada. Era apenas uma interferência… ou algo ruim estava acontecendo. Talvez eu não devesse correr na direção do perigo.
O corredor principal do segundo andar parecia intocado; as portas dos dormitórios ainda estavam fechadas, e tudo era tão quieto, que eu jurava estar ouvindo até as batidas do meu coração.
Ao me aproximar vagarosamente da escada que levava à ponte de comando, no primeiro andar, consegui ouvir o som de algo pesado sendo arrastado, coisas sendo reviradas e quebradas, mas nenhum som de conversa, interações ou atividade humana. Isso está errado, será que eu cheguei tarde demais?
Respirei fundo e comecei a subir as escadas, fazendo o menor som possível. As luzes de emergência estavam ativas iluminando a sala em vermelho, os alarmes estavam acionados e o painel que funcionava em modo emergência estava quebrado, com um furo no meio. Meus olhos percorriam a sala rapidamente, buscando meus companheiros, quando dei os primeiros passos e tropecei em algo. Um braço. Sangue escorria no chão. O rastro levava a um corpo. O capitão da nave estava morto; a caixa torácica aberta com os órgãos espalhados.
Meu coração batia rápido, e logo comecei a reparar mais corpos pelo chão. Rasgados, decepados, mutilados. A sala banhada em sangue. Havia sangue no chão, nas paredes, nos painéis, no teto… De repente, só conseguia focar na criatura que estava no canto da sala, de costas para mim. Ela segurava o corpo de um dos pesquisadores pelo pescoço.
A criatura era uma mulher com quase três metros de altura. Ela possuía garras compridas no lugar das mãos, além de ostentar uma longa cauda que estava perfurando o rosto dele. Ela… ainda não me notou, certo?

A Astronauta. | Parte 3
A Rebelião possui inúmeros inimigos, mas a Imperatriz sempre foi a mais temida devido à dissimulação, à crueldade e aos recursos à disposição. Era diferente das outras imperatrizes que, outrora, fizeram parte da linhagem. Elas nunca se sujeitariam a caçar pessoalmente seus inimigos, não com inúmeros guardas e mercenários para fazer o serviço sujo. Mas, dessa vez, era diferente. Era pessoal, e eu sabia disso.
Magnólia subiu no topo da nave em dois minutos ou menos. Suas garras arranhavam o casco, sua cauda chicoteava a lataria e suas garras banhadas em sangue acompanhavam seu monólogo.
Huhum... depois de tantos anos, aturando suas brincadeiras e as travessuras da minha irmã, vocês acharam MESMO que eu permitiria roubarem bem debaixo do meu nariz? Ela começou a falar quase num sussurro, como se nós compartilhássemos um segredo.
J-U-N-O... Eu admito, para uma terráquea, você é genial, mas também... o nível de vocês é INFERIOR. Bem, não se preocupe, logo não haverá mais Terra... Huhum... Sabia disso?
A Imperatriz rondava o topo da nave, procurando por mim que, por sorte, havia conseguido me esconder de ponta a cabeça sob uma das asas da nave utilizando as botas magnéticas. Desesperadamente, eu tentava enviar um sinal de emergência enquanto ignorava os blefes de Magnólia.
Ah, claro, você está há muito tempo longe de sua casa. Talvez ainda não saiba... ELA não te contou sobre MINHA nova colônia? Magnólia continuou com o monólogo, parecendo impaciente.
Não adianta correr... NÃO ADIANTA SE ESCONDER…
Observei a alien rondando até que ela desapareceu do meu campo de visão e seu monólogo cessou. Talvez ela tenha desistido, ido embora ou se distraído?!, eu pensava enquanto tentava enviar a mensagem de socorro. Então um forte impacto atingiu a asa da nave, derrubando-a no chão da baía de pouso, e a sombra da criatura se aproximou.
[Enviando mensagem]
█▒▒▒▒▒▒▒▒▒ 10%
Eu avisei, É IMPOSSÍVEL SE ESCONDER DE MIM!
Dizia a imperatriz enquanto gargalhava, comemorando o sucesso.
[Enviando mensagem]
███▒▒▒▒▒▒▒ 30%
Eu me levantei do chão cambaleando, a baixa gravidade e o traje tinham ajudado a lidar com o impacto, mas eu ainda estava desnorteada. Em uma rápida verificação, percebi que a tela do comunicador estava quebrada, e minhas esperanças estavam diminuindo. Corri para dentro do hangar da estação. A sensação de desespero estava aumentando a cada passo que eu dava naquele lugar sombrio.
[Enviando mensagem]
█████▒▒▒▒▒ 50%
Eu corria em direção ao hangar enquanto a Imperatriz saltava da asa da nave. A cauda afiada dela deixava uma trilha de destruição metálica. A voz sibilante ecoava ameaçadoramente no hangar.
Ratinha... estou começando a perder minha paciência com você…
Ela rosnava conforme observava atentamente para onde eu correria. A adrenalina pulsava em minhas veias, e eu sabia que o tempo estava se esgotando rapidamente.
[Enviando mensagem]
███████▒▒▒ 70%
O hangar era um lugar sombrio e repleto de destroços. Veículos abandonados e caixas empilhadas formavam uma barreira caótica. Corri desesperadamente para me esconder atrás de uma pilha de caixas, meu coração acelerado no peito. Eu me esgueirava pelas sombras, observando a sombra da Imperatriz Magnólia se aproximando lentamente. A cauda ameaçadora dela arrastava pelo chão com um leve sibilar. O medo me dominava ao passo que eu espiava, esperando que ela não me encontrasse.

[Enviando mensagem]
████████▒▒ 80%
As caixas foram repentinamente destruídas pela brutal cauda da criatura, e minha perna também foi ferida. Enchendo-me de coragem, puxei minha pistola, mirando na direção da Imperatriz. Ela se defendeu com as garras, mas o ataque a deixou desnorteada por um breve momento.
Eu não estou fugindo!
Disse com toda a coragem que me restava enquanto corria para longe dela.
[Enviando mensagem]
█████████▒ 90%
Hahaha, claro que não está... VOCÊ NÃO CONSEGUIRIA.
Disse Magnólia, recuperando-se do atordoamento e procurando onde eu estava.
Desta vez, me escondi dentro de uma navezinha abandonada, espiando pela rampa enquanto Magnólia vasculhava. Percebi que minha perna sangrava, deixando uma fina trilha de sangue. Merda… pensei enquanto tentava enfaixar os ferimentos.
[Enviando mensagem]
██████████ 99%
Huhum... Sabe, em outra realidade, poderíamos ter sido próximas. Você parece inteligente... Fico intrigada.
Disse a alien, que passou em frente à porta da nave. Ela parecia distraída com algo ao redor.
[Enviando mensagem]
██████████ 99%
Mas você... Você não admira tudo que o império fez pelo universo, não compreende a grandeza, não compreende a hierarquia. — Disse enquanto virava-se bruscamente para a ponte da pequena nave e começava a subir as escadas, arranhando uma das paredes com a garra, emitindo um breve assobio incômodo.
[Enviando mensagem]
██████████ 100%
A brincadeira acabou, ela disse, olhando diretamente para mim, e eu sabia disso. — Desista…
Ela disse se aproximando do banco onde eu estava escondida e se agachou, abrindo um sorriso macabro. A ponta da cauda estava arqueada para frente como um escorpião e batia sobre o topo do meu capacete.
[Mensagem recebida.]
Eu precisava ganhar um pouco de tempo. Só mais um pouco.
Tudo bem... Tudo bem, eu me rendo, mas... tenho certeza de que, hã... vossa alteza não iria quer…
Comecei a dizer enquanto via Magnólia se levantar, erguendo-me pelo pescoço.
Eu realmente odiaria terminar essa caçada assim... tão fácil.
Ela disse, erguendo-me com as garras.
O que queriam aqui? ESPECIFICAMENTE AQUI? Ela me jogou contra a rampa da nave e rosnou, aguardando uma resposta.
Recursos! Naves, hã, naves com tecnologia aruniana!
Inventei a primeira mentira que me veio à mente, tentando transmitir confiança.
Recursos? AQUI?! Acho que você NÃO entendeu... Eu não estou brincando, rata. Ela avançou novamente na minha direção.
No entanto, quando tudo parecia perdido, ouvi um estrondo distante, como o rugido de motores se aproximando rapidamente. Magnólia olhou para cima, surpresa, enquanto uma nave de combate da Rebelião pousou dentro da estação, atirando. O socorro havia chegado.
Aproveitei a oportunidade e me arrastei para fora de onde eu estava, e corri o mais rápido que pude para o resgate. Assim que a rampa se fechou, a nave de combate disparou novamente contra a Imperatriz, mantendo-a afastada.
Você está bem?
Perguntou-me um membro da equipe de resgate enquanto verificava meus ferimentos.
Olhei para a Imperatriz Magnólia, que estava lá fora, e a silhueta dela desaparecia a distância. Balancei negativamente a cabeça enquanto eu tentava me afastar daquela visão.


Parabéns, recruta, você conquistou o final bom.
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A Astronauta. | Parte 3
Levei minha mão ao coldre e segurei a pistola cautelosamente. Tentei controlar minha respiração, que estava começando a ficar ofegante pelo nervosismo. Meus companheiros estavam realmente mortos? Eu tinha chance? Qualquer chance?
Ergui a arma, meus braços estavam trêmulos, inspirei e mirei na cabeça da mulher. Meu coração estava acelerado e inúmeros pensamentos inundavam minha mente enquanto eu assistia a ela dilacerar o corpo de mais um companheiro. Puxei o gatilho.
Em instantes, a cauda dela se desprendeu, com um olho preso à ponta, e defendeu o tiro. O material que compunha a cauda parecia ser bastante resistente para um tiro de plasma não causar sequer um arranhão. Mas isso foi suficiente para desviar a atenção da mulher, que soltou o corpo e se virou para mim rosnando. Eu conhecia aquele rosto. Estava estampado em todos panfletos do império, em todos os comunicados. A imperatriz veio ME caçar?
Aí está você… Sabia que eu vim até esse F-I-M-D-E-M-U-N-D-O-P-O-R-V-O-C-Ê?
Dizia a imperatriz, que mais parecia um monstro dissimulado, banhada em sangue.
C-A-N-S-E-I de todos seus truques.
Por mim?! Eu disse desesperada e assustada, seu olhar parecia devorar minha alma.
V-O-C-Ê sabe bem o que fez… SABE BEM!
Ela dizia cheia de raiva.
Ela soltou o corpo no chão e começou a caminhar em minha direção. A cauda estava arqueada para frente e aparentava impaciência. Dei alguns passos para trás, tentando ganhar o espaço que ela me tomava, enquanto ia em direção à escada. Comecei a realizar uma série de disparos contra ela, mas a cauda aparou todos. Ela correu em minha direção. Era minha deixa para começar a correr também.
Dei as costas para ela e comecei a descer as escadas apressadamente, mas ouvia os passos cada vez mais próximos, rápidos e pesados; furiosos.
Por fim, ouvi algo rápido rompendo o ar. Correr era em vão.
Magnólia perseguiu Juno até alcançá-la com a cauda e empalá-la.


Parabéns, recruta, você conquistou o final ruim
Assine seu certificado para validá-lo.

A Astronauta. | Parte 3
Eu sabia que não teria chances contra ela. Não contra uma predadora. Se todos haviam morrido, até os mais experientes em combate, que chances eu teria cara a cara com ela?
Aproveitei que ela ainda não havia me notado e corri para o hangar. Talvez lá eu conseguisse encontrar algo ou chamar ajuda. Eu conseguia ouvir os gritos exagerados dela pela nave; ela estava furiosa. Se me encontrasse… o que ela seria capaz de fazer?
O hangar era lotado de caixas e veículos desordenados. Ele havia sido abandonado às pressas, e tudo continuou intocado por anos, já que nenhuma nave pirata viria roubar tão próximo do império.
Encontrei uma pilha de caixas altas e me joguei no chão, apoiando as costas contra elas, e comecei a tentar enviar a mensagem de socorro, porém o comunicador estava sem sinal. Respirei fundo enquanto observava de soslaio o arredor do hangar. Ela ainda não havia saído da nave.
Sorrateiramente, caminhei até a porta da estação. Estava trancada por um sistema digital, que após tantos anos sem uso se tornou inoperante e, portanto, a porta não era mais uma opção. Respirei fundo observando em volta, quando encontrei um duto de ventilação e, sem pensar duas vezes, desencaixei a grade para me esgueirar por ele até alcançar o interior da estação. Tudo bem. Calma, Juno, você só precisa encontrar sinal ou chegar à sala de comunicação, e vai ficar tudo bem! Eu pensava, apesar de toda a agonia da situação.
Foi quando ouvi o som de garras arranhando e, talvez, até rasgando a porta da estação. Inspirei, olhando para trás. Ela estava começando a abri-la, e eu não queria estar aqui quando ela finalmente abrisse.
Discretamente, corri para uma das salas abandonadas. Talvez fosse um depósito. Eu tentava controlar a respiração ao relembrar o mapa do local. Havia estudado muito o esquema antes de vir em missão. Eu precisava chegar no segundo andar para acessar o painel de comunicação.
Eu podia ouvir ela caminhando pelo corredor. Ela procurava por algo, por mim.
Juno consegue esconder-se de Magnólia... por ora.


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O aluno. | Parte 1Rick era um jovem aprendiz de exorcista, que se mudou para a cidade natal de seus pais no Japão, junto com sua mãe divorciada. Ele foi matriculado em uma escola, que apesar da ótima qualidade educacional, era cercada por uma lenda: quando um aluno fere outro, o carma o faz pagar de forma semelhante ou tão dolorida quanto.Alguns afirmavam que a escola era realmente assombrada, outros diziam que eram apenas coincidências. Mas o fato é que quem faz bullying nunca durava muito no colégio.O rapaz conseguia sentir uma presença estranha, mas não conseguia identificar a origem. Mas mesmo com esse incômodo, ele se familiarizou com os colegas de turma rapidamente - parte do crédito vinha da sua condição financeira e da fama que seu pai tinha em seus tempos de estudante.Numa das aulas, em uma sala diferente da usual, o garoto sentiu um grande desconforto, uma sensação de aperto no peito e falta de ar. Isso preocupou os colegas, e seu professor lhe deu permissão para ir à enfermaria. Ao fim do dia, ele decidiu voltar àquela sala. Pensou que o problema talvez fosse lá.Ele estava desconfiado, e seu instinto muito bem treinado apontava o perigo iminente. Mas, mesmo assim, o rapaz colou um selo de proteção na porta, colocou os fones de ouvido e tomou coragem de entrar na sala de novo. E, realmente, parecia que o problema era o local. O ambiente tinha uma atmosfera sombria. Conforme ele adentrava na sala vazia, agora escura, sentiu o mal-estar voltar.Um chiado horrível se originou de seus fones, o fazendo sentir dor de cabeça na hora. A música que tocava cessou abruptamente e foi substituída por vozes. Um, dois, três… mais do que isso! Várias vozes, tanto masculinas quanto femininas, riam e comentavam entre si. Mas uma voz ganhou destaque. Uma voz embargada pelo choro, implorando para que a deixassem em paz. Relances de imagens assustadoras vinham na mente de Rick, que conseguia visualizar os vultos se divertindo, com os rostos distorcidos pela confusão na qual se encontrava. O evento é tomado por um grito alto de uma garota e, logo, tudo se torna silêncio. Nisso, Rick se enxergou em outra perspectiva, vendo apenas pés de pessoas ao redor de si, sangue derramado no chão, uma tesoura caída e um celular de flip em mãos, que por acaso não eram as dele.Ao retornar à realidade, o garoto respirava pesado, assustado. O chão estava limpo, e não havia nenhuma tesoura por perto, nem sinal do celular. Todas as pessoas simplesmente sumiram. Era só ele e aquela sensação horrível. De maneira inusitada, ele sente o celular vibrar no bolso, retira o fone e atende o número desconhecido.❝Moshi.❞ - Uma voz feminina embargada de choro disse na chamada, o fazendo congelar.“E-Espera um pouco… Humanos sempre falam ‘moshi moshi’, mas quando é dito apenas uma vez, significa…” ele pensa ao engolir em seco. Antes que seu cérebro tivesse tempo de terminar o raciocínio, o som de lâmina cortando o ar é ouvido atrás dele, o fazendo desviar por pouco. Ele se vira para ver de onde vinha, e fica completamente pálido e paralisado.Ali, estava uma garota com uniforme colegial antigo, longos cabelos azuis escuros e um olho rosa, que brilhava friamente naquele breu. Ela tinha um tapa-olho no lado esquerdo e, com a cabeça tombada para o lado, segurava um celular de flip na orelha. Na sua outra mão, carregava uma tesoura ensanguentada.Rick foi pego de surpresa e se desequilibrou, caindo ao chão. Sem tempo de reagir, apenas assistiu ao espectro avançar para cima dele ferozmente. A única coisa que conseguiu fazer naquela situação assustadora foi fechar os olhos e tentar se proteger. Quando ele sentiu o vento frio da lâmina descendo contra si, tudo parou. Só conseguiu ouvir um forte barulho de impacto contra a madeira do piso. Ao abrir os olhos devagar, enxergou a tesoura cravada no chão, muito perto de seu pescoço. Enxergou aquela criatura próxima a ele, o encarando.Ela inclinou a cabeça para o outro lado, o olhando com curiosidade, parecendo até descrente com o que ela via. Não falou nada, talvez nem conseguisse. Ela apenas… Pegou a tesoura de volta e recuou para longe do garoto, devagar, continuando a olhar para ele. Parecia se certificar de que ele não iria se mexer. E então, se virou para ir embora da sala, com naturalidade.Rick escapa da sala, ainda perplexo pelo o que havia acontecido, mas sabia que não poderia fazer nada naquele momento.O tempo passou, e o rapaz continuou curioso sobre a situação. Começou a fazer pesquisas sobre o assunto. Sobre o que poderia ter acontecido, com quem e o porquê. Após uma procura árdua, ele conseguiu achar alguns relatos de jornal dos anos 20xx, que retratavam o misterioso assassinato de uma estudante em sua última semana escolar. Nunca encontraram os culpados ou as provas do crime, apenas o corpo da garota. Ritsuko Matsuno era o nome da vítima.

O aluno. | Parte 2Ao decorrer da investigação, o rapaz sentia cada vez mais pesar a responsabilidade sobre esse mistério, e apesar de não conseguir entender a razão de continuar a se empenhar, já havia descoberto o nome da vítima e o local da morte. O motivo, no entanto, ainda era uma incógnita, ou melhor, um borrão: aquela visão de adolescentes rindo e conversando, o grito agudo de uma jovem que rasgava a noite silenciosa, a visão da poça de sangue se formando aos seus pés… e por fim, o despertar dele.Ele passou semanas pesquisando nos arquivos do colégio, mas quase todos os dados sobre ela e a classe haviam sumido, e os poucos remanescentes estavam rabiscados, manchados ou rasgados. Mas, depois de muito empenho, ele encontrou uma nova pista: uma foto tirada em frente ao pátio principal no dia da formatura. Ele rapidamente reconheceu Ritsuko. Ela estava no meio da turma. Ao lado dela, segurando sua mão e a encorajando, estava alguém muito familiar. O pai de Rick.Essa foi a faísca de ímpeto que o garoto precisava. Se isso era uma pendência de seu pai, era responsabilidade dele resolver, principalmente se havia uma garota sofrendo com isso há anos e prejudicando os outros. Rick decidiu que colocaria um fim neste mistério. Desta noite, não passaria.Ele voltou para casa após a aula e reuniu os materiais de que precisaria, talvez até um pouco mais do que era realmente necessário, apenas por precaução: fones de ouvido, tocador de fita, sal grosso, crucifixo, selos de banimento, terço de oração, água benta, velas, fósforo, álcool e, principalmente, o taco sagrado, vulgo um taco de beisebol benzido e com inúmeros selos de banimento. Ele achava que isso faria qualquer espírito pensar duas vezes antes de mexer com ele.Chegando no colégio, Rick jogou a mochila por cima do muro e em seguida o escalou. Ele fez o caminho mais longo até a cena do crime para que não encontrasse nenhum guarda pelo caminho. O ambiente estava silencioso, porém com um ar gélido que arrepiava até a alma do exorcista.Ele suspeitava que a arma do crime ou o aparelho de flip ainda estavam pela região em algum lugar. Enquanto cavava, seu instinto gritava para que ele fosse embora, e a sensação era crescente com o passar dos minutos. Apesar de não encontrar provas do crime ou o que ligava a mulher espectro a este mundo, ele começou a executar o plano reserva: uma armadilha para ela. Exatamente às 21h37, ele ouviu um chiado alto nos fones de ouvido e o telefone tocou novamente. Desta vez ele não atendeu e se virou para trás.Ritsuko estava logo atrás dele, a cabeça estava pendida para o lado esquerdo, com uma das mãos segurando o aparelho de flip ao lado da orelha esquerda. Na mão direita, ela segurava a tesoura fechada e apontava para Rick.

O aluno. | Parte 2Ele seguiu caminho até a antiga casa dos Matsuno e, por sorte, a moradora original ainda vivia lá. A mãe de Ritsuko já era uma senhora, e apesar de uma aparência triste e cansada, emanava uma boa energia, de alguém bem intencionado. Fazia anos que ninguém a questionava ou entrevistava sobre a filha. Mesmo com receio e um pouco desconfiada pela idade do rapaz, ela não se incomodou de falar sobre a menina.Segundo a mãe, Ritsu, como era chamada por amigos e familiares, era uma aluna com notas medianas, sem muitos passatempos, sem clube e atrapalhada nos esportes. Ela tinha dificuldade em manter amigos, já que desde que o pai dela faleceu quando ela era criança, os outros colegas mantinham distância dela por ser filha de mãe solteira. Isso mudou no último ano, e Ritsu não ficava feliz assim há muito tempo. Ela fez alguns amigos antes de acabar as aulas, por isso sua morte foi tão chocante. Foi muito repentina.A mãe da garota trouxe uma caixa com algumas coisas para o rapaz ver. Eram alguns itens de lembrança. Polaroid, figurinhas, pequenas pelúcias e algumas fotos dela com os amigos. Mas uma das pessoas na foto era muito familiar ao rapaz. Na caixa, Rick também encontrou um celular de flip exatamente igual ao que ele viu naquele seu devaneio na escola. Ele conseguiu ficar com o aparelho de flip e a foto, e tinha em mente seu próximo passo.Com uma mala grande, Rick arrumou suas coisas, se preparando a caminho de seu destino.Ele viajou para fora da cidade, para se encontrar com a pessoa da foto. Porém, por algum motivo, ele se sentiu enjoado e com um pesar por todo o percurso. Mesmo assim, conseguiu chegar bem.O destino de Rick era uma casa luxuosa que ficava em uma região afastada da cidade. Ele conhecia a casa suficientemente bem para entrar pela porta dos fundos sem dificuldades, despreocupado. Sem enrolação, ele passou pelo saguão principal, que estava iluminado apenas pela luz da lareira acesa, e subiu as escadas do segundo andar, caminhou até a última porta do corredor, e abriu sem enrolação entrou para interrogar o proprietário.“Pai, precisamos conversar.” Ele disse sério olhando nos olhos do progenitor.“O que te traz até aqui, filho?” O homem alto e forte, de cabelos que estavam começando a embranquecer, perguntou ao garoto.

O aluno. | Parte 3Rick deu alguns passos para trás, observando que a fantasma parecia agressiva. Ele segurava firme o bastão em uma das mãos, e a outra levou até a mochila, procurando algo. Diferente do primeiro encontro com Ritsuko, Rick estava confiante e preparado para o que enfrentaria.“Moshi Moshi, Ritsuko.” Ele dizia como um comprimento para a espectro, porém ela não gostou de ter a ligação ignorada. Fechou o celular de flip e endireitou o rosto, franzindo o cenho em sequência.“Você não atendeu. É igual a eles.” Ela dizia, começando a se embravecer. O rapaz deu mais alguns passos para trás enquanto Ritsuko começava a caminhar em sua direção. Ela abria e fechava a tesoura, emitindo um característico tic, tic, tic constante.“Calma aí, eu não atendi, MAAAS te respondi!” Dizia ele, em uma falsa tentativa de negociação, mas na realidade estava apenas atraindo Ritsuko para uma armadilha.Agora, a espectro estava no exato local de sua morte, ao redor um círculo místico repleto de símbolos de selamento. Assim que ela entrou no círculo, o exorcista conjurou em um quase perfeito latim: “carcere hunc spiritum maledictum.”* Os símbolos acenderam em um tom de mana dourado, e uma barreira luminosa cercou Ritsuko, que começou a golpear a luz desesperadamente.Rick puxou um antigo pergaminho de sua bolsa e o desenrolou, estendendo à sua frente. Em alto e bom tom, ele continuou a conjuração:“Protector meus et tutor meus;Liceat mihi hunc ritum peragere, potestatem tuam mihi in bonum iterum commodare.Dírige hunc spíritum in lucem;
Purifica animam tuam,
ab omni dolore sana eum.
Sed ut neque dolor,
pro vivis et tibi;
permitte mihi facere te dormire
in eternum consignari facit te hic manere.”
Enquanto a conjuração ocorria, a mulher espírito começava a iluminar-se no mesmo tom da mana, os gritos de agonia cessavam e uma paz tomava o ambiente. No fim, Ritsuko desapareceu, restando apenas o aparelho de flip antigo, que já não mais funcionava, e a tesoura que havia se tornado um objeto abençoado pelo espírito da garota.Rick recolheu os dois itens do chão e sentou-se olhando para o céu. Independentemente do que havia ocorrido naquele lugar anos atrás, agora estava resolvido, e isso trouxe paz para ele.O aparelho de flip foi encaminhado para a ordem dos exorcistas em que Rick havia sido iniciado antes da mudança, e a tesoura foi adicionada ao seu arsenal, como um objeto capaz de cortar laços espirituais malignos.


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O aluno. | Parte 3O rapaz entrou na sala e bateu a porta, caminhou até a porta e jogou o celular de flip sobre ela, e irritado perguntou: “Por que matou a Ritsuko Matsuno?”A expressão do pai era de uma surpresa genuína. Frente a esse insulto, ele pegou o telefone, abrindo-o, e apontou a mão pro rosto do rapaz. “Você não conhece essa história, e não deveria estar se metendo nela.”“Eu vi o que aconteceu, tive mais uma daquelas visões. Eu vi VOCÊ diante do corpo.” Rick gritou em resposta, sem recuar pela agressividade do pai.“Quando eu cheguei, ela já havia morrido.” O pai retrucou irritado, guardando o telefone no bolso. Ele caminhou até a porta para sair do escritório enquanto dizia: “Se você veio me importunar com isso, já pode ir embora, ingrato.”Ao abrir a porta, o celular começou a tocar no bolso. O pai, distraído, pegou na mão o aparelho e atendeu. Ele pôde ouvir a voz fria de Ritsu dizendo calmamente: “Moshi”. Ouvir a voz da amiga após tantos anos o deixou chocado.Ao erguer o olhar para o corredor à frente, o pai de Rick pôde ver Ritsuko parada diante da porta com um sorriso medonho. Ele deu alguns passos para trás assustado e começou a falar, meio tenso: “C-Calma, R-R-Ritsuko, eu posso expli…” Neste momento, a mulher espectro cortou a garganta do homem com um ágil movimento, e o corpo dele caiu para frente, sufocando no próprio sangue.Rick queria conseguir ajudar o pai, mas a presença de Ritsuko possuía uma aura tão assustadora, que parecia esmagar o garoto contra o chão. Ela passou pelo corpo do homem e caminhou até o rapaz com a tesoura na mão.“Vocês são todos iguais. Todos escondem a verdade.” Disse a espectro, tomada pela raiva e rancor. Rick não conseguia escapar pela janela por causa da altura, e passar ao lado da espectro não era uma opção. A garota estava possessa de raiva por ter pego seu celular, e talvez pela discussão breve com o pai.O rapaz observou a sala ao redor, buscando algum recurso, mas apesar de ser uma sala enorme com inúmeras decorações, nada parecia ser útil. Aquele foi seu fim.Ritsuko assassinou Rick e o pai dele.


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O aluno. | Parte 3O rapaz virou-se para ela, retirou os fones de ouvido e atendeu o telefonema ao estar frente a frente com a garota. Ele iniciou a conversa dizendo em tom simpático: “Moshi, moshi, Ritsuko”.Ela pareceu surpresa por ser atendida, e isso foi o suficiente para a acalmar no momento. No mesmo tom, ela respondeu: “Moshi. O que está fazendo aqui?”. Ela o observava atenta e tentava espiar o que ele escondia dentro da bolsa, porém estava fechada.“Eu percebi que algo estava errado nessa escola e decidi entender melhor”, ele respondeu em um tom sincero. Apesar de não ser toda a verdade, não era apenas um ato de altruísmo, ele se sentia naturalmente responsável e intrigado.“E você entendeu? Você sabe o que fizeram?”, ela soava melancólica, e os olhos enchiam-se de lágrimas que escorriam como cachoeiras em suas bochechas. “Bom, eu entendo que uma garota inocente foi assassinada em seu dia mais alegre”, ele disse a observando e, por alguns segundos, aguardou uma resposta. Como não a obteve, prosseguiu: “Mas eu não consigo entender o motivo desta garota continuar sofrendo aqui.” Desta vez, a voz dele também estava triste.“É que... É… É…”, ela parecia não saber o exato motivo de ainda estar presa neste mundo. A garota começava a ficar inquieta e segurava a tesoura próxima ao peito. Ela tentava reencontrar sua compostura. Ela olhou para o chão, onde outrora estava seu corpo sem vida, e concluiu: “É que são muitos motivos… mas, principalmente, por não querer que pessoas inocentes sofram como sofri. Desejo que as pessoas más paguem por suas maldades.”*“Eu entendo o que está sentindo, Ritsuko…" * o rapaz dizia olhando o céu, logo voltando a atenção de volta para a menina. “Você não gosta de injustiças, eu também não gosto. Mas tem formas melhores de trazer essa justiça ao mundo.”“Como assim?”, questionou a fantasma, pendendo mais a cabeça para o lado.“Bom, as pessoas precisam responder pelos seus crimes de acordo com as leis de onde vivem, as leis do mundo mortal, a justiça humana. Às vezes ela falha, mas se a fizermos com nossas próprias mãos, poderemos também nos tornar monstros.”
Ele dizia determinado a explicar a situação para ela.
“Justiça humana? Ela não puniu quem me machucou. Nunca.”
Retrucou Ritsuko, começando a ficar irritada novamente.
“Eu sei que falharam com você Ritsuko, mas existe um motivo para isso. Nunca encontraram a arma do crime para conseguir associar ao assassino.” Ele apontava para a tesoura que ela levava agarrada à si para toda parte.“Mas… E todas as testemunhas?”, retrucou novamente tomada pelo rancor e raiva.“Bom, muitas pessoas deviam estar assustadas, com medo ou ter sido coagidas. Mas, realmente, eles poderiam ter ajudado a trazer justiça para você.”O rapaz começava a se questionar sobre o envolvimento do pai nesse assunto, mas afastou os pensamentos temporariamente para tentar uma última jogada. “Bom, eu posso te deixar aqui em paz vagando se quiser, Ritsuko, mas em alguns anos vai acabar se tornando um espírito vingativo, e é você quem vai estar machucando inocentes.” Enquanto falava, ele ia juntando os equipamentos para ir embora, como se realmente fosse desistir.Ritsuko ficou pensativa por um instante, até que questionou o rapaz. “Então o que sugere que eu faça?”“Posso te ajudar a conseguir a justiça que busca. Se me entregar sua tesoura, posso levar para a polícia amanhã cedo. Assim vai poder descansar.” Ele estendeu a mão dando a oportunidade para que ela entregasse a tesoura.“Promete que vai entregar?”, ela perguntou insegura.“Prometo, Ritsu.” Ele disse olhando nos olhos da garota.Ritsuko entregou a tesoura para Rick.
Na manhã seguinte, Rick levou a tesoura para a polícia, e muitas perguntas surgiram, mas o caso foi reaberto e, com a arma do crime, foi possível encontrar o assassino.
A solução do crime foi suficiente para saciar a sede de vingança de Ritsuko, mas ela ainda desejava ajudar os desamparados. Então, após longas conversas com Rick, eles formaram uma dupla.


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O aluno. | Parte 3O rapaz se aproxima da mesa e encosta a porta. Ele coloca a foto sobre a mesa, junto ao aparelho de flip, e em seguida pergunta em um tom sério: “Você reconhece de quem é isso?” Após perguntar, ele tira os fones de ouvido.O homem observa tenso a foto e a pega na mão com muita cautela, questionando: “Onde encontrou isso?”“Não interessa onde nem como. A garota da foto está apegada a esse plano, sofrendo, e assombrando o colégio. Quero ajudá-la.” Respondeu o filho, incrédulo com a frieza do pai.“Ritsuko era minha melhor amiga no colégio. Claro, nós nos aproximamos apenas nos últimos anos… mas por causa de uma brincadeira idiota, ela acabou morrendo. E eu…” Enquanto o pai explicava sobre a situação, as luzes da sala começaram a piscar, a TV e o rádio ligavam sozinhos, sincronizando em inúmeros canais.“Uma BRINCADEIRA idiota?” Questionou Ritsuko, surgindo ao lado da mesa. Ela pegou o aparelho de flip, irritada por terem levado embora algo que era tão importante para ela.A aparição da garota surpreendeu o pai de Rick, não por ser um espectro, mas por ser alguém que sentia tanta falta, que desejava tanto conversar e ver novamente. Os olhos dele marejaram enquanto falava: “Tem razão Ritsuko, aquilo não era uma brincadeira. Eu devia ter feito algo, ter chego antes, não deveria ter te deixado sozinha. Espero que consiga me perdoar.”A espectro observava os dois, ela não estava irritada mas sim confusa, sentia raiva pelo abandono, pelo pouco caso, e então questionou: “Por que deixou com que eles saíssem impunes?”“Eu fiquei com medo, os diretores disseram que se alguém contasse, seria pior, muito pior.” Disse, envergonhado com a situação.“Então você é só mais um traidor, um ABANDONADOR!” Ritsuko disse, erguendo a tesoura para golpear o pai de Rick.“RITSUKO! Isso não é justiça, é VINGANÇA! Se quer justiça, podemos conseguir da forma certa, punindo as pessoas culpadas do modo adequado.” Disse o rapaz, estendendo a mão como se tentasse impedir o golpe dela, mesmo sabendo que a mão atravessaria o braço da garota.A fantasma parou o golpe a milímetros do olho do homem, e virou-se para prestar atenção em Rick questionando: “O que você sugere então?”“Se entregar a tesoura, nós vamos agora mesmo na polícia, meu pai testemunha sobre tudo, e não vamos descansar até os responsáveis estarem presos.” Respondeu o rapaz, sem ao menos perguntar se o pai concordaria.*“Eu devo isso a você, Ritsuko. Eu não sabia que você ainda estava sofrendo.” Respondeu o pai concordando com o filho.Ritsuko refletiu sobre a opção e se acalmou, entregando a tesoura na mão do antigo melhor amigo, e questionou para o jovem rapaz: “Prometem que vão entregar?”“Prometemos, Ritsu.” Respondeu o pai pelo filho.Como prometido, os dois levaram a tesoura até a polícia, e o pai de Rick utilizou a reputação e a influência monetária que possuía para garantir que as investigações não fossem arquivadas novamente, e que os criminosos seriam presos.Porém, apesar da prisão de seus assassinos, Ritsuko ainda não estava preparada para deixar o plano terreno. Ela queria garantir que outras pessoas e espíritos não sofressem como ela. Portanto, Ritsuko pediu para se juntar a Rick, sabendo que o rapaz era um exorcista em treinamento.Atualmente, eles formam uma dupla que atua em ocorrências sobrenaturais.


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A perfeição. | Parte 1Racoona sempre admirou a perfeição, mesmo que ela nunca tenha almejado isso para si mesma.Ainda assim, não existia nada mais interessante para ela do que observar algo belo e perfeito, como uma mariposa atraída pela luz. Mas, dentro de seu coração, ela sabia que havia uma coisa que ela gostava mais do que apenas admirar a perfeição: destruí-la.Sua vida foi virada de cabeça para baixo após ser expulsa do exército, sendo acusada de cometer um massacre em uma zona cheia de civis inocentes. Ela não tentou se defender ou atacar de volta, apenas abraçando a fama de renegada. Agora, sem um rumo, sua vida seria dedicada a encontrar o que ela mais queria: uma pessoa perfeita, a mulher ideal que pudesse ser sua perfeita esposa. Alguém imaculado, que ela pudesse possuir e, então, destruir.Mas isso era bem mais difícil na prática do que na teoria. Nenhuma era bonita o suficiente, pura o suficiente, corajosa o suficiente. Algumas corriam, outras lutavam, tinham aquelas que choravam e pediam por misericórdia, mas nenhuma era… perfeita o suficiente.Coincidentemente, Flor também buscava pelo amor perfeito.Ela era tudo o que a sociedade julgava como a garota ideal. Amável, gentil, bonita… Ainda assim, ela não tinha sorte para os assuntos do coração. Nunca havia encontrado um amor pleno, algo que cobrisse o buraco negro enorme e pegajoso dentro de seu peito. A feiúra dela era sua alma e, talvez por isso mesmo, sem perceber, amar havia se tornado quase um passatempo.Ela gostava de todo o esforço da conquista, mas o que realmente amava era como quebrava o coração de seus parceiros, não que fosse realmente má, afinal eles mereciam. Todos sempre a chateavam, todos mereciam sofrer.Como uma planta carnívora, sua aparência e sua atitude amável atraía as pessoas para sua vida, e depois de as conhecer, ninguém saia com o coração intacto. Um ciclo vicioso, quase interminável. Ela tentava se confortar, se convencer de que ela não gostava daquilo, que era culpa deles, eles que machucaram ela primeiro! Mas o buraco negro em seu coração não mentia: se não fosse o amor a preencher o vazio, a vingança era a segunda melhor opção.Duas almas amaldiçoadas procurando pelo mesmo objetivo. Quando a ex-militar viu a garota perfeita, seu coração sabia que era ela, e aquele sangue sagrado seria seu sacrifício ideal. Agora, um jogo de gato e rato iria começar.Flor se tornou o novo vício de Racoona naquele mesmo instante.
Existe amor à primeira vista? Ou só obsessão à primeira vista?
Será mesmo que entre elas existia alguém de fato inocente?
As melhores histórias sempre começam assim, certo?
Bem, dizer que aquele foi o começo não era bem verdade. Não podia estar mais errado. Dias antes, Flor já podia sentir algo estranho no ar.
A sensação de ser vigiada em lugares aleatórios, as flores deixadas em sua porta, os passos incessantes atrás dela que, ao se virar para olhar, nunca havia indícios de ninguém. Ela ignorava tudo isso, afinal, a garota estava acostumada a lidar com pessoas que não sabiam aceitar o fim dos relacionamentos rápidos e triviais que tinham com ela. O que para Flor era uma mera tentativa em busca do amor verdadeiro, para essas pessoas era um fracasso doloroso. Bem, quem diria que distribuir amor era algo que poderia causar tanta dor de cabeça?
Mas ela sabia que havia algo estranho no ar, mesmo que o motivo fosse um enigma indecifrável para ela.Flor viria a admitir que ajudar uma desconhecida embaixo de chuva não seria a melhor ideia do mundo.A chuva que caía era pesada e ruidosa, afogando as ruas cinzentas da cidade e fazendo os cidadãos se esconderem como animais correndo para suas tocas. Racoona se maldizia, tendo perdido sua vítima de vista. Como uma pessoa tão pequena conseguia andar tão rápido?Sem nem ao menos perceber, seguir Flor pela cidade havia se tornado o passatempo favorito da ex-militar. Por mais mundana que fosse a vida da mulher, tudo nela era fascinante. Suas fragilidades, sua dedicação ao amor, assim como o enorme caminho de corações partidos que ela deixava por onde passava. Tudo isso era entretenimento puro. Às vezes, Racoona sorria ao ver a garota regar as flores na varanda. Em outras, ria sozinha ao assistir ela dispensando mais um cara, e quando caiu em si, notou que ela conhecia muito bem uma pessoa que nunca havia a visto.Se livrar de amantes antigos e particularmente irritantes ou violentos da garota também era sua diversão. Diversão essa que saciava sua sede de sangue enquanto ela lenta e metodicamente observava sua Flor.
Por isso, sentir a chuva a encharcando até a alma naquele anoitecer a fez suspirar de frustração após perder sua vítima em meio ao caos do clima. Racoona estava prestes a se virar e interromper a missão por ora, quando dessa vez ela foi surpreendida: atrás dela estava Flor, sorrindo e segurando um guarda-chuva acima de sua cabeça.
O coração da guaxinim batia loucamente, assim como as asas de um pássaro preso, tentando se libertar desesperadamente. A sensação era de que ia sair pela boca, e a combatente não se assustava fácil, tendo visto e praticado tanto derramamento de sangue durante o curso da vida.Ela precisou suprimir um enorme sorriso lunático quando a garota-ovelha à sua frente falou com uma voz doce, pela primeira vez dirigida a ela:— Se você não se proteger dessa tempestade, vai ficar doente.
Aqui, te vi pela janela da loja de conveniência e comprei um desses.
Flor moveu a mão, indicando para a mulher pegar o guarda-chuva com o qual estava se protegendo. Racoona notou que a garota tinha outro. Assim como seu coração, a mente da perseguidora estava a mil.
Não era nada demais, era? Afinal, a Flor que ela conhecia, sua Flor, era muito gentil. É, era só isso, um gesto de gentileza qualquer.
Ou podia ser algo a mais? Será que ela tinha notado que Racoona era seu anjo da guarda? Era um agradecimento por sua dedicação e cuidado? Deveria ser… afinal, ela merecia aquilo mais do que qualquer um dos amantes idiotas que a garota tinha. Racoona era especial, ela conhecia Flor como nenhum dos babacas jamais conheceria, afinal…Flor era dela
Flor era dela
Flor era dela
Flor era dela
Flor era dela
Flor era dela
Flor era dela
Flor era dela
Flor era dela
Flor era dela
Flor era dela…
É, ela merecia aquele amor. E se aquela perfeição não lhe fosse dada de bom grado, ela iria tomar com as próprias mãos. Por ora, no entanto, ela apenas sorriu e aceitou o guarda-chuva.Os dedos da mulher de cabelos cinzentos acidentalmente tocaram os da moça com chifres, e as duas riram timidamente ao mesmo tempo. Parecia o início de uma história romântica e imaculada. Porém, algo dentro de Racoona se agitou, e as más intenções dela se omitiam naquele sorriso bobo, quase apaixonado.— Ah, valeu, isso é muito legal da sua parte. Esse clima louco sempre pegando a gente desprevenido, haha… Como posso te retribuir o favor?— Ah, por favor! Isso não é nada demais, não precisa se preocupar em retribuir!
Flor corou, balançando suas mãos de forma tímida.
— Não, eu quero retribuir o favor.
O sorriso da mulher não alcançou seus olhos vazios. O som alto da chuva contra o concreto era quase ensurdecedor.
— É perigoso essa hora. Posso te acompanhar até em casa como forma de agradecimento.
— Ah, se você insiste…O maior problema de Flor era não saber dizer não. Mesmo com o calafrio em seu corpo e sua mente gritando para correr, ela acenou com a cabeça.
— Obrigada, erm… vou mostrar o caminho.
Mal sabia a garota que Racoona conhecia aquele caminho melhor do que ela mesma.[...]Era uma oportunidade de ouro. A guaxinim, a princípio, pensou que havia sido descoberta e tudo estava perdido. Que se veria forçada a eliminar o amor da sua vida do mesmo jeito que fez com os amantes.
Agora, teria a chance de chegar mais perto dela. Tocá-la. Possuí-la.
Conforme era acompanhada, Flor sentia algo estranho. Não parecia que estava guiando a mulher. Era como se estivessem andando lado a lado por um caminho já conhecido por ambas. Contra todos os instintos, a ovelha apenas abafou os pensamentos e continuou o percurso.[...]— Chegamos, disse ela, aliviada. Quando estava prestes a se despedir, Racoona estava tão próxima do rosto dela, encarando de forma fixa, que a ovelha travou por um instante.— Posso entrar? Estou encharcada. A ex-militar questionou, enfática. O timbre de voz dela não dava muita margem para recusas, já que soava quase agressivo.

A perfeição.| Parte 1Flor não pôde evitar. Ela devia aprender a dizer não.
Talvez isso não a colocasse em situações de vida ou morte.
— Erm… Eu… É claro. Por favor.
A esse ponto, Flor já sentia o corpo arrepiar e as pernas cederem. E ela nem sabia o porquê disso. Não era comum se sentir assim nem mesmo perto dos homens agressivos dos quais ela costumeiramente partia o coração.
Quem sabe… ela quisesse a presença daquela mulher ali?
Estava confusa. Não sabia se era medo ou atração. Ou ambos.
A guaxinim diante dela tinha uma aura ameaçadora, mas suas atitudes eram galantes. A intuição vociferava não. O coração declarava sim.
[...]Flor se via entregando uma toalha para Racoona momentos depois de entrarem. Ela prontamente aceitou, parecendo agradecida. Tirou a blusa para se secar, revelando o corpo repleto de cicatrizes de guerra e bem esculpido. A ex-militar a encarava o tempo inteiro, realizando suas ações no modo automático para não ter que desviar o olhar um único segundo. Era como se a sua ovelhinha fosse fugir se ela não se mantivesse vigilante.— Você nunca esteve com uma mulher, não é?Racoona perguntou de súbito. É claro que já tinha a resposta.
Agora, não era mais uma questão de apenas seguir a mulher, almejá-la de longe. Ela estava bem na sua frente. Não importava muito o que Flor respondesse. Flor era dela, e logo ela saberia disso.
A guaxinim só não havia decidido o que faria com ela ainda.
Tantas possibilidades. Tantas formas de demonstrar amor.
A stalker sorriu, despretensiosa. Mas algo naquele sorriso não estava certo. Observando bem, ele se revelava deturpado. Depois disso, deu dois passos em direção à Flor, ficando com o corpo quase colado ao dela. Era uma proximidade extremamente desconfortável… Isto é, se Flor não quisesse nada com ela.— Obrigada.
Racoona sussurrou com uma voz suave, quase afável, e fez menção de devolver a toalha, mas os dedos da outra mão já deslizavam pelo rosto da mulher ovelha. Era o carinho da mão que afagava antes de bater.
Poderia tê-la para si. Poderia matá-la. Poderia destruí-la.
Bastava Flor dizer as palavras erradas.
Após uma longa pausa em que a guaxinim encarava de modo tresloucado, Flor, inabalável, respondeu delicadamente com um sorriso torto, num sussurro que denotava indícios de irracionalidade e sandice, como quem não reconhece o perigo… ou que pode representar o verdadeiro perigo.— Não. Nunca. Mas eu adoraria tentar.— … Hã?A resposta pegou a stalker de surpresa, pois a tentativa de causar desconforto parecia ter fracassado, e o que veio depois disso… Bom, o resto é história.[...]Alguns meses se passaram desde o primeiro encontro face a face das duas mulheres. Elas basicamente viviam juntas agora. Tudo parecia flores no relacionamento amoroso que haviam firmado. Racoona constantemente cortejava a mulher ovelha, e a mulher ovelha apreciava a presença e a atenção da guaxinim, devolvendo em forma de carícias e palavras de afirmação. Era tudo perfeito. Perfeito até demais…[...]Às vezes, Racoona sumia por horas a fio. Prometia que sairia para comprar bebidas ou qualquer outra coisa, mas depois de um tempo fazendo isso, ela passou a voltar de mãos vazias. Jurava ter se distraído no caminho, como se sofresse algum tipo de apagão. Flor passou a ficar desconfiada das ações da parceira, cogitando até mesmo traição. Não poderia existir outra razão para explicar isso, não é?… Até o dia em que Racoona não voltou para casa. Transtornada, a ovelha não conseguiu dormir. O aperto em seu coração era imenso, e a preocupação de que algo ruim poderia ter acontecido com sua amada era ainda maior. O que ela tinha lá fora que Flor não era capaz de dar?Conforme cismava em se sentir insuficiente e estremecia só de pensar na sua mulher com outra, a porta da frente se abria lentamente, como faz alguém que não deseja fazer barulho na madrugada.[...]— … Racoona?
Perguntou Flor, sentada no sofá, mergulhada na escuridão total.
— … Oh.
Ela tinha sido pega. Apesar do breu, a luz da rua trazia à tona a silhueta do seu corpo diante da porta aberta, e mesmo essa pouca iluminação já bastava para destacar a roupa pegajosa e os pingos de um líquido rubro que escorriam direto para o chão. O silêncio estarrecedor entre as duas perdurou minutos que pareceram horas. Racoona ficou parada, segurando a maçaneta enquanto ponderava o curso de ação a tomar. Flor não tinha coragem de desviar o olhar, como se fosse ser atacada caso quebrasse o contato visual com a predadora à sua frente.
— Você deveria estar dormindo.
Disse Racoona por fim. Apesar da situação tensa, as palavras soaram firmes e sem muita emoção. Não houve resposta, no entanto.

A perfeição. | Parte 2— Posso entrar? Estou encharcada. A ex-militar questionou, enfática. O timbre de voz dela não dava muita margem para recusas, já que soava quase agressivo.Flor deu um passo para trás, nervosa. Ela precisava dizer não.
Mas ela queria dizer sim. Só que… algo naquela mulher diante dela parecia sinistro. A ovelha não sabia dizer exatamente o que era, mas a aura da guaxinim era perigosa. O perigo é mesmo fascinante e envolvente, não é mesmo? Ela lutava contra o impulso de dizer sim, então a recusa foi proferida num misto de incerteza e medo.
— … Na… N-Não seria adequado… Q-Quem sabe outro dia?
Ela se sentiu aliviada por pelo menos conseguir negar, ainda que tivesse passado insegurança nas palavras. Flor se dirigiu à porta, destrancando e dando um passo para dentro de casa. Quando se virou para encerrá-la, a stalker deu um tapão contra a porta, segurando com a palma da mão, e se aproximou a fim de usar o corpo como uma barreira para que não fosse fechada.
— Por que outro dia se pode ser hoje?
Agora, a ovelha tinha despertado um instinto de caçadora em Racoona. Vê-la acuada era tão… excitante. Ao mesmo tempo, sentia uma pontada de ira pela rejeição, afinal havia dedicado muito do seu tempo para a mulher amada.
— Tantos outros entraram aqui… Como se você fosse qualquer uma.
Aquele foi o alerta que Flor tanto buscava entender. Tantos outros? Até podia ser verdade, mas ela sempre fazia tudo com muita discrição, evitando olhares intrometidos ou boatos maldosos.
— Como… você sabe disso?
Ela não esperou resposta. A realização do que estava acontecendo recaiu sobre ela como um balde de água fria. Seus olhos se arregalaram e o coração bateu forte, quase saindo pela boca.
Sabia que a guaxinim era mais forte e, portanto, não poderia fechar aquela porta por mais que lutasse. Seu instinto foi disparar para dentro da casa, correndo em direção ao telefone para pedir socorro. Apesar das pernas bambas, o desespero colaborou para agir rápido.
… Só talvez não rápido o suficiente.Racoona, percebendo as intenções da mulher, avançou na direção dela, fechando a porta atrás de si com um estrondo. Quando Flor ainda estava discando os números, a stalker arrancou o aparelho inteiro da tomada com muita agressividade, jogando-o no chão para arrebentar a estrutura dele.— Hah… O que você está fazendo? Vamos conversar, querida.
A ex-militar sabia que Flor gritaria. Por isso, colocou a mão na boca dela para abafar qualquer tentativa e encostou a vítima na parede, tornando a falar em um tom manso.
— Você já entendeu tudo. Eu sei que entendeu. Veja bem, acontece que você é perfeita. Faz tanto tempo que eu tenho observado… Eu sei tudo sobre você! Sei do que você gosta ou desgosta, sei o que você compra no mercado, sei qual é sua comida preferida, seus programas de televisão favoritos, sei o que faz você sorrir… ou chorar…. Sei o que você faz à noite, quando a solidão bate e seus relacionamentos fracassam… Sei quando você vai dormir, quando você acorda… Com quem você vai dormir… Sei de todos os homens que machucaram seu coração… Bem, não precisa se preocupar mais com eles agora, eu já resolvi isso. Heheheee…Racoona falava sem parar, como se estivesse guardando tudo aquilo dentro de si há muito tempo. Isso só assustava mais a outra mulher.
Flor já lidava com muitos homens que a perseguiam, insistindo em ter relacionamentos ou em fazer outras coisas… Mas nunca assim. Nunca com tamanha obsessão, com tamanha gana. Era evidente que tremia de medo, encurralada. Não conseguia se mexer para reagir e lutar contra, tinha medo de enfurecer ainda mais a bandida. Ela sabia coisas demais. Sentia como se a sua intimidade tivesse sido violada, como se o lugar que considerava seguro para viver e ser ela mesma fosse um cativeiro, uma vitrine para sua vida. Mas, acima de tudo… o que a stalker queria dizer com não precisar mais se preocupar com os pretendentes? A ficha caiu. Fazia um tempo que todos esses rapazes desapareciam um por um. Achava que eles só haviam desistido e agradecia aos céus pelo livramento, mas agora… ela sentia o pânico da morte. Isso a fez se agarrar à vida e dialogar com sua captora. Ela colocou as duas mãos sobre o pulso de Racoona, fazendo um sinal para demonstrar que não gritaria se a guaxinim lhe desse a chance de falar.
— E-Eu… Eu… Sim… V-Vamos conversar… Eu n-n-não sabia… que uma mulher tão linda… g-gostava assim de mim…
Não sabia bem o que dizer numa situação dessas, mas concordar parecia a melhor opção. Bem, dizem que não se discute com gente louca, certo? Isso pareceu funcionar, pois Racoona baixou a guarda e fez uma expressão satisfeita. Quando ela se afastou, dando espaço, Flor pegou o primeiro objeto que serviria de arma. Onde antes tinha um balcão com o telefone e outros objetos pessoais, agora restava um lindo vaso de flores solitário. Num movimento veloz, a ovelha o usou para dar um golpe no rosto da guaxinim. O vaso se partiu em mil pedaços ao acertar o alvo, e a água de dentro dele se esparramou pelo corpo da agressora.
— VOCÊ NÃO DEVIA TER FEITO ISSO! AGORA VAI VER SÓ…
Racoona colocou a mão no rosto, tapando um dos olhos, depois de cair de costas contra o sofá que havia atrás dela, dando uma cambalhota. Apesar do corte na têmpora e os sentidos atordoados, ainda foi capaz de se erguer e correr na direção de Flor, que tentava se armar na cozinha. A adrenalina entorpecia todas as dores. Quando a ovelha tinha apontado uma faca com as mãos trêmulas para Racoona, ela parou de correr e deu um sorriso torto, como se visse graça.
— P-Pare! Estou com uma faca e não tenho medo de usá-la!
Mas é claro que ela tinha medo, tanto que Racoona deu uma risadinha antes de fechar a cara e andar calmamente na direção dela, desarmando a mulher com desdém. Praticamente só precisou segurar os pulsos dela e torcê-los o suficiente para que largasse a faca. Flor deu um gemido de dor, e sua única esperança tinha se esvaído. Agora era a stalker quem estava com a faca na mão, pronta para dar o bote.
— Você vai aceitar meu amor… Querendo ou não!
Curiosamente, a stalker largou a faca no chão.
Ela não precisava disso para esganar sua amada.
A hora da Flor tinha chegado. De repente, Racoona já havia a derrubado no chão e estava por cima dela, sufocando-a. A ex-militar havia sentado sobre a vítima, passando as pernas pelas laterais da cintura dela a fim de impedir a fuga.Por mais que Flor a arranhasse, tentando desferir socos e tapas, as mãos firmes que apertavam seu pescoço não cediam, e o ar parecia faltar cada vez mais em seus pulmões. Ao encarar, agoniada, o último rosto que talvez fosse ver na vida, ela ficou surpresa em reparar que Racoona estava aos prantos. O sangue escorria da testa da assassina por causa do corte, pingando diretamente na maçã do rosto de Flor, que agora também chorava e tinha desistido de lutar contra seu destino.— Isso… devia ter sido diferente… Eu te amo tanto… tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto….Quando Flor puxou o ar pela última vez, Racoona ainda repetia as mesmas palavras, num transe sinistro. E, quando finalmente percebeu o que tinha feito, a stalker pegou a faca no chão para demonstrar todo o seu amor deturpado. Num rompante, estocava a lâmina contra a mulher morta, e cada acometida vinha acompanhada das mesmas palavras. Cada… maldita… palavra… era… uma… punhalada.— Tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto…Após ficar nesse transe doentio de lamentação por sabe-se lá quanto tempo, finalmente se viu obrigada a fugir e deixar sua amada sozinha. Não havia mais esperança. Apesar de se contentar em saber que Flor não teria mais ninguém, o coração dela doía, pois jamais voltaria a acompanhar, mesmo de longe, todos os passos que ela dava, os sorrisos que esboçava, as expressões radiantes que ostentava…
Ela destruiu a mulher perfeita.
[...]Meses se passaram. Depois, anos. Racoona tinha se voltado para o vício da bebida, pois era a única coisa que silenciava os pensamentos intrusivos sobre a mulher amada. Ela nunca a esqueceria, nunca a superaria. Quando não realizava algum servicinho sujo para alguém por questão de sobrevivência, estava jogada em algum canto escuro, bêbada e aflita. Sentia como se, agora, ela fosse observada. Parecia sempre haver alguém à espreita, causando um tipo de apreensão que dava pontadas em seu peito como uma lâmina afiada e a sensação da mais profunda e excruciante agonia, que subia à sua garganta como… se estivesse sendo constantemente sufocada pelo resto da sua vida.


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A perfeição. | Parte 3— Não era para você ter visto nada disso.
Voltou a falar, com uma pitada de desgosto. Flor sabia demais agora.
Racoona enfim fechou a porta atrás de si, e tudo que fez foi estender a mão para acender um abajur próximo ao hall. Agora não havia mais mistério. Aquilo era realmente sangue. O corpo apresentava arranhões avermelhados e hematomas nada discretos, como se tivesse entrado em algum tipo de combate corporal. A stalker respirava pesadamente, ainda comedida. Talvez estivesse considerando a próxima vítima?Antes de a guaxinim raciocinar, porém, Flor correu na direção dela, em um abraço apertado. Ela afundava a cabeça no peito da outra mulher, chorando aliviada.— Eu fiquei tão preocupada!
Racoona não a traiu afinal. Seja qual fosse a explicação, não importava. Sua parceira era fiel, ela a amava. Por que tinha duvidado tanto disso por um momento? Sua mulher jamais tinha dado sinais de que era infeliz no relacionamento.
— Nunca mais faça isso. Não me abandone assim, sem avisar. Eu quero ir com você da próxima vez.A assassina ficou encucada, arregalando os olhos. Não esperava esse tipo de reação. Aquilo não estava certo. A mulher deveria ter ficado aterrorizada, gritado, pedido socorro. Tinha algo muito errado com Flor.
Bom… Não era como se ela mesma fosse sã.
Racoona confessou tudo.
Contou para Flor que a observava há tanto tempo…
Contou sobre como foi surpreendida naquele dia, na chuva…
E, por último, contou sobre o rastro de corpos deixado por ela.
Vinha matando ex-pretendentes e amores antigos da mulher ovelha muito antes de elas ficarem juntas. Aqueles homens insistindo, perseguindo, abusando, ameaçando… eram repugnantes. Não eram dignos de tocar nela, ficar com ela, olhar para ela. Sequer poderiam ser considerados gente. E Racoona os abatia como se fossem literalmente gado, animais irracionais que não fariam falta nesse mundo. Eles nunca deveriam ter tido a audácia de se aproximar da sua mulher. O único problema é que havia muitos deles. Flor havia se envolvido com rapazes demais, outrora, na busca incessante por amor. A ex-militar já reprimia a raiva e o descontentamento desde o tempo em que servia no exército. Ela odiava todo mundo. Agora havia apenas mudado o alvo. E essa não era uma ideia tão vil. Nenhum daqueles homens era bom.[...]Flor ouviu atentamente cada detalhe. Não se afastou ou deixou de ficar agarrada na outra mulher em momento algum. Não obstante, ela também não parecia assustada ou impressionada com todo o horror balbuciado pela guaxinim. Era quase… como se estivesse concordando, aprovando as ações da parceira. Às vezes, até balançava a cabeça, assentindo positivamente.— Eu teria ajudado se você tivesse me contado antes!Exclamou, com uma risadinha graciosa e sincera. Estava feliz demais para quem acabou de ficar ciente de verdadeiras atrocidades. Nada daquilo importava, pois as duas se amavam, e eram perfeitas uma para a outra. Ela não tinha sido traída. Pelo contrário, sua companheira estava realizando uma empreitada divina! O mundo não precisava mesmo daquela gente que ela matava. Eram homens vis, e mereciam o castigo. De repente, estava ainda mais apaixonada. Ninguém nunca tinha feito isso por ela! Na verdade, ela jamais tinha ficado tanto tempo assim com alguém ou sentido o anseio de viver tão próxima. Seu coração palpitava sempre que estava com a guaxinim. Antes, ela não entendia o motivo de se sentir tão atraída, mas tudo fazia sentido agora. Talvez… Talvez elas tivessem ideais parecidos, mas Flor era praticamente indefesa para agir.[...]— Eu… Espera, o quê?
Ajudar? Não esperava sequer que ela fosse aceita pela parceira devido aos crimes cometidos. Agora, Flor estava se oferecendo para acompanhar, para ajudar. Racoona via nos olhos dela que ali havia uma profunda compreensão mútua, com tons de paixão e morbidez. Ela… era realmente tudo que a guaxinim havia buscado a vida toda.
— Você… é perfeita.[...]Racoona passou a ensinar Flor a se defender. Fisicamente ela não seria capaz de sobrepujar ninguém que estivesse em plena forma e num confronto direto, mas… quem não baixaria a guarda diante de uma mulher charmosa? A guaxinim explicou os fundamentos para ela se proteger, porém o foco era usar e abusar da arma mais letal que poderia existir… a sedução. Qualquer um se tornaria uma presa fácil nas mãos de Flor agora. Nenhuma dor é maior do que sofrer uma punhalada pelas costas da mulher que você corteja. É humilhante ser abatido sem a chance de se defender, é degradante ser enganado pelo sorriso formoso de uma mulher fatal. Especialmente se você a ama.As duas formavam uma dupla mortífera. Elas se completavam.
Planejavam esquemas para assassinar suas vítimas. Celebravam cada morte como se fosse uma vitória, e se regozijavam ainda mais na companhia uma da outra. O rastro de sangue derramado era infindável. Havia gente ruim demais no mundo para expurgar.
[...]Elas enfim acharam a verdadeira felicidade juntas, vivendo um amor arrebatador e profundo, e se deleitavam ao cumprir o dever de justiceiras deturpadas. Nada nem ninguém poderia separá-las.
Afinal… elas eram perfeitas uma para a outra.


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A perfeição. | Parte 3— Não era para você ter visto nada disso.
Voltou a falar, com uma pitada de desgosto. Flor sabia demais agora.
[...]Racoona enfim fechou a porta atrás de si, e tudo que fez foi estender a mão para acender um abajur próximo ao hall. Agora não havia mais mistério. Aquilo era realmente sangue. O corpo apresentava arranhões avermelhados e hematomas nada discretos, como se tivesse entrado em algum tipo de combate corporal. A stalker respirava pesadamente, ainda comedida. Talvez estivesse considerando a próxima vítima?Antes da guaxinim raciocinar, porém, Flor se levantou, esboçando um sorriso macabro e levando ambas as mãos ao rosto, tocando as bochechas.— Agora tudo faz sentido!— Huh?Flor parecia olhar no fundo da alma de Racoona, e o sorriso macabro deu lugar a uma risada baixinha, com requintes de insanidade. A guaxinim sequer tinha se explicado ou feito algum outro movimento, mas sua parceira já tirava conclusões. Ela tinha entendido tudo. Na verdade, talvez ela desconfiasse há muito tempo, e só tivesse decidido bancar a mocinha…— É, tudo faz sentido! Eu tenho observado suas ações, bolado teorias. Primeiro, achei que era coisa da minha cabeça. Depois, ficou muito claro: você está me traindo.Racoona fechou a cara, numa careta de desaprovação e um olhar confuso. Como Flor podia dizer aquilo? Não fazia nem sentido. A ex-militar apresentava sinais claros de que se envolveu em uma luta corporal violenta.— Você ficou louca? Esse tempo todo eu estive caçando seus pretendentes!
Exclamou Racoona, indignada. Ela se dedicava muito à tarefa de enviar pro diabo cada um dos ex-namoradinhos cafajestes da ovelha só para, no fim, ser acusada dessa forma?
— Ah, caçando, né? Sei bem o que isso quer dizer. Espera… Você me chamou de louca?Parece que a guaxinim havia feito uma escolha de palavras bem infeliz. Aquilo aflorou algo dentro da ovelha que, ou estava adormecido, ou havia despertado pela primeira vez. Ela não estava naquele relacionamento à toa. Apesar de ter tentado muitas vezes, enjoava dos companheiros depressa, coisa de meras semanas. Agora, era diferente. Ela realmente tinha achado sua cara metade. E ela não deixaria que a parceira sequer cogitasse ficar com outras pessoas, falar com outras pessoas, olhar para outras pessoas… trocá-la por outras pessoas.Flor deu às costas e foi até a cozinha. Se Racoona não fosse dela, então não seria de mais ninguém. A audácia! Ela se entregava de corpo e alma para a guaxinim, isso não bastava? O que mais ela queria? O que os outros tinham que ela não era capaz de oferecer?Num surto que misturava raiva e insegurança, Flor puxou violentamente a gaveta de talheres, escolhendo a maior faca do conjunto. Voltou para sala pisando forte e com um aspecto descontrolado. Apontando a faca na direção da amada, disse, por fim:— Última chance. Você pode escolher confessar e ficar somente comigo ou sofrer as consequências. Você é minha. Como ousa fazer isso?Racoona estava perplexa. Por mais que fosse uma assassina perturbada, jamais trairia seu único amor. Quando viu a mulher com a faca em riste, deu um passo para trás, na defensiva.— Você ficou louca mesmo! Eu nunca fiz nada disso.
Antes de conseguir se explicar, Flor já avançava na direção dela. Parece que a ovelha não estava muito para conversa, e qualquer justificativa seria em vão. No início, Racoona só precisou dar um passo para o lado a fim de desviar do golpe. Flor podia ser uma maluca, mas não era uma homicida treinada.
— Pare já! Eu não quero te machucar, nem quero outra pessoa!
Nesse ponto, dificilmente a agressora tiraria algum sentido das palavras proferidas. Era só a vontade de se vingar que a consumia. Numa nova investida, Flor girou o corpo e empurrou a companheira contra uma estante, que cambaleou após o baque e ficou vulnerável. Racoona só teve tempo de se defender com os braços contra a lâmina afiada que penetrava sua carne e fazia estrago.
— Por favor, eu… Agh! Eu…
Sem opção, a stalker puxou a mulher para si e aplicou um mata-leão. Não queria machucá-la, e essa parecia ser a melhor solução para cessar o perigo iminente. As consequências de amar alguém costumam ser graves em situações críticas, pois hesitar diante de uma assassina pode custar sua vida. Racoona hesitou. Flor não.
Era o que bastava para Flor acertar uma facada na coxa da combatente, que cedeu ao desequilíbrio com a arma ainda cravada no músculo. A guaxinim já estava esgotada da luta anterior, contra um dos malditos pretendes. Nem sempre era fácil encarar um homem maior e mais forte, mesmo com treinamento militar. Quem diria um ou mais por semana. Talvez essa fosse ser a sua ruína, pois as feridas abertas anteriormente pulsavam e deixavam seus movimentos de defesa mais fracos e lentos. Não esperava entrar em combate, não agora, e não contra sua amada. Não tinha coragem de revidar com golpes letais, e tudo que restava era tentar se proteger e neutralizar a ameaça. Poderia tentar uma infinidade de outras técnicas para fazê-la apagar, mas o verdadeiro ponto fraco de Racoona… era a própria Flor. Não conseguia pensar direito vendo a outra naquele estado de insanidade, apenas esticar o braço na direção dela, abrindo a mão e gesticulando para ela parar.— Chega! Eu quero me explicar…
Dessa vez, Flor pareceu dar ouvidos. Ela não se moveu, dando espaço para que Racoona argumentasse. A expressão da ovelha mudou para uma mais serena, mas o olhar desconfiado permanecia.
— Eu nunca estive com outra pessoa. Acredite em mim. Escuta, vamos conversar. Você me ajuda a levantar, e aí eu conto tudo. Mas eu sou só sua!Balançando a cabeça como quem concorda, Flor estendeu a mão para sua prometida, num gesto de ternura e falsa solidariedade. Ela sorriu, enfim, com doçura. Era aquele sorriso apaixonante. O sorriso fatal.A stalker se ergueu com a ajuda dela, e a abraçou forte assim que conseguiu se manter de pé com o apoio da ovelha, pois a coxa sangrava incessantemente e a lâmina ainda lhe feria.— Flor, me escuta! Pare com isso! Estamos juntas, nada nem ninguém vai… Aaah… me tirar… de você…Racoona sentiu uma dor aguda e perdia o fôlego. Num baque surdo, tinha sido apunhalada nas costas. Não esperava que Flor tivesse uma outra arma escondida. Teria sido quando ela foi à cozinha?— Ah, certamente ninguém mais vai tirar você de mim!
Abraçar é um dos atos mais nobres e humanos, pois é um gesto caloroso e acolhedor, e tal prática deixa os envolvidos vulneráveis, incapazes de se defender. Quando se abraça alguém, você deposita confiança na outra parte e assume uma postura amistosa, num sinal de afeto ou conciliação. Por isso, receber o golpe perfurante da mulher amada era a pior das traições… e uma morte cruel para a alma.
O coração dela se partia em mais de uma maneira. Fisicamente por causa da facada; romanticamente por causa da traição. Com um último movimento antes de tombar, Racoona tirou do bolso um anel, do qual colocou na mão da mulher e cerrou, numa última demonstração de amor por ela. Depois de lançar um último olhar e dar um sorrisinho complacente, como quem ri da própria desgraça, a stalker desfaleceu para trás; a faca terminando de cravar-se no coração dela.[...]… Esse foi o pormenor que fez Flor desvairar para sempre. Meses se passaram após a tragédia, e a mulher havia livrado a cara da justiça sob a alegação de ser a vítima de uma ex-militar com transtornos de guerra. Como Racoona não era flor que se cheirasse desde a época do exército, e os assassinatos foram revelados, não foi muito difícil bolar uma história crível de legítima defesa.Agora, arrependida e incompleta, Flor estava fadada a fracassar no amor por mais que tentasse achar sua mulher nos braços de outros, numa tentativa desesperada de reencontrar o que tinha perdido e reaver a sanidade. O rastro de corações quebrados que ela deixava a cada decepção só colaborava para aproximá-la cada vez mais da loucura irreversível. No fim, cerca de um ano e meio após o ocorrido, Flor se viu internada em um hospício, eternamente sozinha, balbuciando incessantemente a única coisa que devorava sua mente:Meu amor…
Meu amor…
Meu amor…
Meu amor…
Meu amor…
Meu amor…
Meu amor…


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A criadora. | Parte 1A Dra. Holo sempre acreditou na evolução, no refinamento.
No avanço humano.
Ao longo dos anos, ela dedicou toda a sua carreira de biomédica para entender como as pessoas poderiam se aperfeiçoar, se tornar melhores; imbatíveis. Como conceber um ser humano primoroso? Sem doenças, sem falhas, sem conflitos.A pesquisa que ela realizava com tanto esmero não era apreciada.
Na verdade, poucos — ou ninguém — entendiam essa dedicação a uma causa perdida. O ser humano era falho por natureza. Não existia uma solução para esse objetivo megalomaníaco.
A Dra. Holo queria brincar de ser Deus, diziam as más línguas. Essa persistência louca culminou na sua demissão, mesmo lutando por anos pelo financiamento do laboratório e das pesquisas. Seu trabalho não era uma causa perdida. Seu objetivo era em prol do bem maior. Ele merecia reconhecimento. A doutora fracassava, no entanto, em assimilar que o mundo não estava pronto para aquilo. Ninguém acreditava nessa possibilidade. Ninguém sequer desejava que tal possibilidade se concretizasse. Não parecia lucrativo. Outros conflitos surgiriam.
A humanidade não estava pronta para lidar com isso.
A biomédica acreditava piamente que as pessoas mudariam a mentalidade assim que ela cumprisse sua missão. Quando o humano perfeito estivesse diante delas, não restaria dúvida.Ela aprimoraria as qualidades inerentes do ser humano e descartaria as falhas que a natureza tivesse proporcionado. Mesmo após perder o cargo, a mulher não se daria por vencida. Os testes e os experimentos simples outrora realizados no laboratório foram trocados por cobaias descartáveis — pessoas descartáveis — e invasões em clínicas para afanar suprimentos.Tantas noites em claro, tantos dias frustrados. Tantas mortes indesejadas. A Dra. Holo não era essencialmente má, pois queria ver a humanidade dar o próximo passo, conquistar horizontes jamais explorados, viver além de meras décadas. Mas, para cada acerto, surgia um erro. Para cada cura, uma doença.Não era maldade. Era apreço. A humanidade era o seu maior tesouro. Era a causa justa pela qual lutar. Os fins justificariam os meios. Ela enumerava as cobaias, mesmo aquelas que definhavam antes de darem os primeiros passos. Nomeá-las, segundo a biomédica, era um passo em direção a criar seres totalmente funcionais, além de uma comprovação do seu afeto.
Após a demissão, a mulher atraia transeuntes miseráveis, escolhia a dedo pessoas das quais ninguém daria falta. Pobres, desabrigados, viciados. Todos sem famílias. E foi assim que ela encontrou o pobre homem, que posteriormente foi transformado no Projeto 020.
O Projeto 020 era diferente de tudo que a cientista já havia conquistado. Ele possuía características distintas. Capacidade regenerativa. Cognição avançada. Imunidade. Quiçá a imortalidade. Era a cura de todo o mal que afligia a humanidade. Apesar de recém renascer, ele já era o grande orgulho da doutora.Quando Projeto 020 despertou, estava preso a um tipo de maca improvisada, com grilhões espessos feitos para prender uma verdadeira fera. Por instinto, a cobaia tentou se desvencilhar das correntes e amarras, apenas causando uma dor ainda mais aguda diante da reação inútil. Ele urrou.— Projeto 020? Você finalmente despertou! Acalme-se, está tudo bem, estou aqui com você.Ele reconhecia essa voz, era proveniente da gentil doutora que havia lhe oferecido este “emprego”, a oportunidade de ganhar teto e comida em troca de disponibilizar o corpo para alguns experimentos não invasivos. Mas isso era o que ela chamava de não invasivos? O Projeto 020 passava por uma dor que aturdia os sentidos, sentia-se disfórico, via suas mãos animalescas e percebia seu urro feral.— Você… Argh… O que você fez comigo?Isso foi tudo que conseguiu formular antes de cair em sono profundo outra vez. A Dra. Holo havia providenciado para que ele não falasse mais nada.Os dias se passaram, mas o Projeto 020 não fazia ideia do quanto havia transcorrido. Tudo que conseguia expressar era a dor fulminante dos experimentos realizados por aquela mulher louca. Ela teve até mesmo a audácia de fazer com que ele encarasse o espelho.— Veja sua primazia, 020. Você é o primeiro da sua linhagem.
O primeiro híbrido, o humano ideal. O futuro da espécie.
O que a Dra. Holo via com apreço e admiração, o Projeto 020 via como uma monstruosidade nefasta. Ele não era humano. Como aquela maníaca podia dizer isso? Ele tinha orelhas. Garras. Presas alongadas.Horrorizado, ele fechava os olhos para não vislumbrar mais aquela atrocidade diante do espelho. Se pudesse, partiria-o em mil pedaços, mas as correntes que o continham eram um lembrete constante de que, se era mesmo um animal, então não passava de um cãozinho indefeso, que só podia ladrar, mas não morder.A tortura não parecia ter fim. Ele estava condenado para sempre.
Mas o para sempre, sempre acaba.
— Não fique assim, 020, você é o futuro da humanidade. Orgulhe-se de quem realmente é.Disse Dra. Holo em um tom maternal, ela abaixou-se à frente de seu “pequeno” monstro e acariciou o rosto dele para consolá-lo. Em seguida, levantou-se e caminhou até a porta da cela.— Eu vou buscar sua recompensa. Os experimentos de hoje foram muito satisfatórios. Fico feliz de ver você colaborar assim.Complementou ela enquanto se afastava em direção ao corredor. Após a Dra. Holo sair, o Projeto 020 olhou-se novamente no espelho. Aquela mulher era insana. Onde ela via colaboração, existia apenas um homem com o espírito quebrado. Ou havia existido um homem. O que ele havia se tornado? Um monstro, relembrou olhando para o espelho. Deveria aceitar quem era. Um monstro. Mas não tão desumano quanto ela.[...]A biomédica havia ido buscar a suposta recompensa de sua criação, o direito de jantar algo decente esta noite. Enquanto preparava com muito esmero a porção que levaria para ele, ouviu um som alto que reverberou por todas as instalações. Era um urro, e parecia ser de dor. O 020 havia se ferido?Imediatamente, ela parou o preparo do alimento e correu para a cela dele, mas ela estava vazia, os grilhões quebrados, o cimento arranhado por grandes garras. Seu filho havia fugido. Ela havia deixado a porta da cela aberta. Teria confiado excessivamente nele? Havia se iludido que ele enfim compreendia seus propósitos?

A criadora. | Parte 2Sua amada criação não deveria estar longe. Apesar de muito mais veloz que um humano comum, fazia pouco tempo que ouvira o urro. A Dra. Holo verificou se estava com suas seringas calmantes no bolso, e então observou em volta buscando pistas, mas melhor do que isso: encontrou uma trilha deixada pelas garras do monstro no cimento. Prestando um pouco mais de atenção, ela também conseguia ouvir o tilintar da outra parte dos grilhões, que ainda deviam estar presos às garras dele. O som não parecia distante. Estava neste andar, talvez ao fim do corredor ou no seguinte.Ela começou a correr na mesma direção das garras marcadas no solo. Devido à saúde frágil e debilitada pelo excesso de trabalho, ela não era uma pessoa muito ágil, mas compensa esse pequeno defeito com inúmeras qualidades, entre elas a perspicácia. Ele deve estar dando a volta no andar, quer chegar até as escadas ou a saída. Ela caminhou até uma das únicas celas vazias do corredor e tateou a parede do fundo, encontrou um pequeno desnível que, quando pressionado, permitiu que ela arrastasse a parede o suficiente para espiar. A passagem levava para outra cela, também vazia e nunca utilizada, mas que concedia uma boa visão da saída e do corredor. Espiou e não o encontrou. O som das correntes pareciam mais distantes, mas, mesmo assim, ela caminhou até a saída dos fundos para verificar.A grande porta de metal continuava fechada, lacrada por inúmeras correntes e cadeados, mas que claramente não iriam conter 020. Ela suspirou com alívio e deu alguns passos para trás enquanto tentava deduzir as intenções de sua criação. Ele deve estar confuso e assustado. Não sabe para onde está indo. Agora, a doutora estava mais tranquila, sabia que ele não encontraria fácil a outra saída e muito menos passaria por qualquer janela por causa do tamanho das patas. Enquanto arrastava os pés para voltar ao preparo da refeição, voltou a ouvir os sons de 020, desta vez no andar acima, e ele parecia estar quebrando algo.No segundo andar ficavam os principais equipamentos da biomédica, que apesar de antigos ou improvisados, eram importantes para a continuidade dos experimentos. Ela voltou a correr, desta vez ao ponto de ficar ofegante. Ela não podia correr o risco de perder mais um laboratório, de precisar recomeçar mais uma vez. Seu filho ainda não estava preparado para entender o valor da ciência. Ele estava com raiva? Estava frustrado? Estava confuso? Por que destruir as coisas de sua criadora? Ela estava fazendo um favor para ele e toda a humanidade.
Ao se aproximar do laboratório, parou de correr e caminhou calmamente. Ao longe, conseguia ver o Projeto 020 quebrando a bancada de estudos. Todas as amostras estavam destruídas. Os principais equipamentos de exame estavam dilacerados. Ele urrava ferozmente. Finalmente, compreendia o que era: um monstro.
Pela primeira vez em anos, a Dra. Holo lembrou-se do que era o sentimento de impotência. Mas como a criadora perderia o controle sobre a criação? Ela conhecia melhor 020 do que ele mesmo. Ele não está bravo, está confuso. Ele não é uma fera irracional, é a salvação da humanidade. Ela precisava apenas guiá-lo para o caminho certo, fazê-lo se acalmar.

A criadora. | Parte 2Não importava mais qual havia sido o ponto de falha dela. As intenções de 020 eram óbvias, nítidas. Até um idiota veria. Ele estava furioso. A forma com que escapou, às garras no cimento. O uivo não era dor, era fúria. Ele viria atrás dela. E se ela morresse? Se ela morresse, o experimento havia acabado. Não, as coisas não poderiam acabar assim. Mesmo que para continuar significasse… É, talvez. Talvez ela estivesse disposta a isso.A doutora correu para o lado oposto do corredor. Precisava chegar até a área segura. Porém o som de seus passos chamou a atenção do experimento, que estava procurando por ela, aguardando um bom momento para a encontrar ou atrair. O momento havia chegado.Ele era muito mais rápido do que ela, superior a qualquer humano em questão de velocidade, principalmente quando começava a correr sobre as quatro patas. Durante a perseguição, ele urrava, uivava, rosnava e até salivava. A distância entre os dois estava começando a diminuir. Ele estava a poucos metros da doutora. Ela precisava encontrar uma forma de atrasá-lo.Olhando em volta, ela começou a derrubar qualquer objeto que via no caminho, como as macas dos corredores, mas nada o desacelerava por tempo suficiente. Foi quando virou o corredor em direção ao bunker e notou a prateleira ao seu lado. Era sua única chance.Ela se encostou na parede e aguardou a passagem de 020. Demorou apenas alguns segundos até que ele viesse correndo como um lobo em direção ao corredor, tão irracional que não percebeu a estante desabando sobre ele. Isso nunca o mataria, e ela também não queria que matasse. Mas ao menos o desnorteou como necessário.A doutora conseguiu alcançar a sala segura, que era um grande ambiente protegido por três densas portas de ferro. Ela começou a procurar a chave certa no grande molho de chaves que levava no bolso. Passou por inúmeras chaves de cela, inúmeras chaves de porta, quando lembrou de que a chave estava em seu colar dentro da roupa. Ela puxou o colar, rompendo a corda, e começou a destrancar e trancar as portas. Mas o experimento 020 estava começando a se levantar.Ao fechar a última porta, ela ligou depressa as luzes da sala, e em seguida recorreu a um antigo telefone que estava na escrivaninha ao lado da cama e da prateleira de suprimentos. Não gostaria de recorrer a eles, mas não tinha outro jeito.— Hologr4ma? Desculpe, desculpe ligar assim. Estou com um problema. Um pequeno problema aqui. Preciso de ajuda.
Ela dizia tentando não demonstrar o medo na voz.
— Sim. Sim, eu juro. Esse experimento é diferente.Ela desligou o telefone e se sentou na cama, fitando a porta. Respirou fundo, abraçando os próprios joelhos. Pedir ajuda para uma organização de outra dimensão poderia parecer loucura. Mas, outrora, sua colaboração com a outra doutora havia sido um sucesso. Que alternativa ela teria? Bom, a mesma de agora: rezar para que o destino a favoreça, e se o fizer, agradecer.Durante uma longa hora de espera, o Projeto 020 permanecia determinado e esmurrava as portas do abrigo, suas garras arranhavam e deformam o metal até ser capaz de puxar cada uma delas e passar para a próxima. Mas era um processo árduo.Para a doutora, cada minuto pareciam horas, e essa espera pela incerteza pareciam dias. Ela suava frio observando a porta. Cada estrondo fazia com que ela pensasse: Onde foi que eu errei? Quando eu errei? Por que eu errei?O som parou. Foi de súbito, sem avisos.
A criatura havia sido contida.
A doutora abriu a porta vagarosamente e deparou-se com o “resgate”.
Com uma breve ajuda da corporação, o experimento foi entregue para as autoridades da dimensão 13, e a Dra. Holo foi parcialmente perdoada por seus crimes. Ela cumpriria a pena em liberdade condicional e poderia prosseguir com os experimentos em 020 se comprovasse que isso traria benefícios reais para a humanidade. Era um ciclo sem fim de dor e fracasso para ambos.


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A criadora. | Parte 3A Dra. Holo parou em frente à porta do laboratório. Os olhos dela estavam cheios de lágrimas por causa dos equipamentos e pelo estado pertubado de sua criação. Ela estendeu os braços para ele e disse em um tom calmo.— 020, o que está acontecendo com você?Nesse momento, a criatura parou confusa. Ele olhou para ela por cima do ombro direito. Não compreendia a audácia, ou melhor, a falta de noção da doutora. Ela não entendia que ele a odiava? Não compreendia que ele estava quebrando o laboratório com o desejo de a estraçalhar como fez com cada equipamento?— Você… É TUDO CULPA SUA.
Urrou 020.
— Minha culpa? Eu transformei você na perfeição, não enxerga?
Ela dizia incrédula.
A aberração deu um forte soco na bancada de madeira que estava à sua frente, partindo-a em dois pedaços. Ele rosnava para sua criadora. Sentia fúria a cada palavra dela.— Perfeição? Eu era um homem miserável, mas NUNCA fui um monstro. Não. Não até você fazer isso…
Ele dizia enquanto caminhava tomado de rancor e ódio.
A doutora começou a caminhar para trás. O coração dela estava partido, e ouvir essas declarações de sua criação era o mesmo de uma mãe ouvir que o filho a odiava. Ela dedicou seus estudos mais preciosos a ele, pois o amava. Amava tanto quanto a humanidade. Era seu filho. Seu precioso experimento.— NÃO. Está entendendo tudo errado! Você vai salvar o mundo, será amado. Você é o primeiro de sua espécie. O primeiro de muitos, não será um monstro.Ela dizia tentando contornar a situação, mas tomando distância.— Primeiro de muitos? Não. Você quem está entendendo tudo errado.
Ele dizia entre os rosnados.
O Projeto 020 avançou contra a doutora em uma corrida quadrúpede. Estava cada vez mais tornando-se o que ela queria: um monstro. A doutora começou a correr pela própria vida, mas jamais fugiria de sua criação. Ele era a perfeição, diferente dela, uma humana miserável.Quando tomou a distância certa, ele uivou alto como se anunciasse o fim iminente da doutora. Em um ímpeto de raiva, ele pulou contra as costas de sua criadora, jogando-a no chão. Ele salivava a ponto da boca espumar, e seus olhos estavam vidrados na médica.— Não! Você está entendendo errado! Isso é pelo bem COMUM! 020! Precisa me ouvir!
Ela dizia exasperada.
Ela precisava sentir a mesma dor que ele sentiu.
Ela precisava agonizar da mesma forma que ele agonizou.
Ela precisava se odiar da mesma forma que ele se odiava agora.
E ㅤl ㅤa ㅤㅤpㅤ rㅤ eㅤ cㅤ iㅤ sㅤ a ㅤv ㅤa ㅤㅤiㅤ m ㅤpㅤ lㅤ oㅤ rㅤ aㅤ rㅤㅤ aㅤㅤ mㅤ oㅤ rㅤ t ㅤe.Mas, para ela, não importava de fato se aquele seria seu fim. O experimento estava concluído. O Projeto 020 era superior a qualquer humano. Superior a ela. Ele era a marca que ela deixaria no mundo.O Projeto 020 deu à doutora o fim que ela merecia: a morte pelas mãos de sua própria criação.


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A criadora. | Parte 3Silenciosamente, a doutora se aproximou de sua criação. A fera estava tão irada que não percebeu o que lhe aguardava: a criadora sacou de um dos bolsos uma injeção em que o líquido fluía em roxo, e em um veloz movimento, injetou no pescoço de 020. Essa não era a primeira vez que um grande experimento fugia. Claro, era a primeira vez que grandes avarias haviam sido causadas ao laboratório, mas ela já era bem experiente nesse tipo de captura.— Eu achei que você estava começando a entender, Projeto 020. Mas talvez… você ainda seja inferior. Como os outros.Foram as últimas palavras que ele ouviu antes de despencar no chão. Quando despertou, estava novamente em uma cela, desta vez completamente amarrado a uma maca que conhecia muito bem. Os grilhões prendiam o corpo da criatura por completo.— Apesar…. Apesar de não ser tão esperto quanto achei que seria, ainda não desisti de você, não se preocupe, 020.
Dizia a doutora.
Ele procurou pela doutora e a encontrou preparando uma bancada cirúrgica. Ela era extremamente meticulosa com os equipamentos, ao menos os poucos que haviam restado.— O que vai fazer?
Urrou o experimento.
— Vou consertar você. Não se preocupe, 020, voltará a ser perfeito. Minha criação perfeita.
Ela dizia entre algumas risadas.
A verdade é que a fuga do monstro, o estrago no laboratório, nada disso era o que perturbava Holo. O que a incomodava, o que a impediu de dormir pelas últimas noites… era admitir que sua criação estava mais uma vez fracassando. Não. Esse era o ser perfeito. Se não fosse, se tornaria.— Você vai entender. Tudo que eu faço. Tudo isso. É pelo bem de todos. É pelo seu bem. Isso tudo.
Ela dizia enquanto arrastava para perto dele o carrinho cirúrgico.
— Eu vou provar para você. Nunca mais vai duvidar de mim. NINGUÉM mais vai duvidar.A doutora inseriu um cateter no próprio braço. Ele estava conectado à uma bolsa encardida de sangue velho, e do outro lado havia uma idêntica já inserida no cateter do braço do monstro. Era impossível fazer uma cirurgia nesse nível sem uma transfusão de sangue. Não haveria outro jeito. Mas esperar não era uma opção.— Preciso da sua colaboração mais uma vez, 020. Vamos entender o que está se passando na sua mente.
Ela sussurrava em um tom atencioso.
Ela pegou uma furadeira da parte superior do carrinho que era costumeiramente usada em obras, ligando-a. Não era o equipamento ideal, mas serviria. O que fosse que estava deixando sua criação ilógica, acabaria hoje.O Projeto 020 morreu enquanto seu cérebro era extraído. Morreu uivando de dor. Morreu assustado. Morreu humano. Mas o monstro? O verdadeiro monstro também morreu. Pouco após a morte de sua criação, envenenada pelo sangue do próprio experimento. Morreu insana. Morreu fracassada.O importante, no entanto, era que o monstro havia morrido.


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